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O passado da cana-de-açúcar pode ser nebuloso, mas a sua presença nos lares sob a forma de edulcorante é algo recente. A palavra que originou o nome açúcar é, provavelmente, 'grão', 'sarkar', em sânscrito.

No leste da Índia, o açúcar era chamado 'shekar', enquanto os povos árabes o conheciam como 'al zucar', que se transformou no espanhol 'azucar', e daí, 'açúcar', em português.

Na França, o açúcar é chamado de 'sucre' e, na Alemanha, de 'zücker', daí o inglês 'sugar'.

Não se pode definir com precisão a época do surgimento da cana-de-açúcar no mundo, tampouco dizer, com exatidão, seu berço geográfico, principalmente devido à quantidade de gramíneas híbridas existentes e à falta de documentação a respeito.

Alguns pesquisadores admitem que a cana-de-açúcar tenha surgido primeiramente na Polinésia; outros arriscam a Papua Nova Guiné como o primeiro local de ocorrência e registro da gramínea. Para esses estudiosos, a primeira aparição da cana no mundo se deu há 6 mil anos. Nos 2 mil anos subseqüentes, já haviam traços na Indonésia, nas Filipinas e no norte da África.

A maior parte dos historiadores, porém, aceita a tese de surgimento da cana entre 10 e 12 mil anos atrás e data em 3.000 a.C. o caminho percorrido pela cana da Península Malaia e Indochina até a Baía de Bengala. A origem asiática da planta é consensual.

A cana foi introduzida na China por volta de 800 a.C. e o açúcar cru já era produzido em 400 a.C. Porém, só a partir de 700 d.C. o produto começou a ser comercializado. Há documentação sobre a expansão ocidental do artigo raro, que já era plantado na Índia em 510 a.C., de acordo com as anotações da expedição militar persa sob o comando do imperador Dario. A cana e o seu doce caldo foram mantidos em segredo, já que os povos distantes do comércio entre os asiáticos pagavam altas somas em troca de produtos luxuosos. E o açúcar era um deles.

A comprovação do consumo da planta na Índia veio em 327 a.C., quando o almirante de Alexandre 'O Grande', Nearchos, relatou ter encontrado 'uma cana que faz o mel sem abelhas'. A observação dos hábitos do povo hindu, que mastigava a gramínea, fez com que o filósofo grego Teofrasto, em 287 a.C., descrevesse a maravilha como 'o mel que está em um bastão'.

Com os árabes, um negócio em expansão – O primeiro processo de produção do açúcar de cana, que consistia em esmagar e ferver o bastão para dar origem ao melaço, foi registrado em 300 d.C. em um documento religioso hindu.

Lentamente, a cana espalhou-se em direção ao oeste, sendo plantada na Pérsia por volta de 500 d.C. O próximo passo migratório da planta se deu mais de cem anos depois, em decorrência das invasões árabes motivadas pelo profeta Maomé - alguns anos antes de sua morte, em 632 - para a conversão do mundo ao Islã.

Em uma das incursões que levaram à conquista da Pérsia, os exércitos maometanos encontraram a cana e adotaram seu cultivo. Seu nome passou a ser 'cana persa' e, em 640, já era cultivada no Mediterrâneo. A comercialização do açúcar a partir de 700 enriqueceu os árabes e o produto da cana entrou na lista de preciosidades a que os países ocidentais quase não tinham acesso.

A partir de 710, os árabes, depois de conquistar o Egito, aproveitaram-se da química egípcia para tirar lucros ainda mais exorbitantes do plantio e da comercialização do açúcar, utilizando o dinheiro obtido com o produto para a compra de outras especiarias igualmente raras.

A cana continuou sua viagem rumo ao Ocidente, passando pela África do Norte até alcançar o Marrocos. Depois, cruzou o Mediterrâneo na direção ao sul da Espanha, por volta de 755, e à Sicília em 950. Continuou expandindo-se pelo litoral sul do Mediterrâneo e depois estabeleceu-se em outras localidades fora da costa atlântica africana.

'Mel pagão' a US$ 100 o quilo – O ocidente europeu só conheceu a cana no século XI, quando os cruzados retornaram dos países árabes com diversas especiarias, inclusive o 'mel pagão'.

O primeiro registro da chegada do açúcar na Inglaterra é de 1099 e, em 1150, a Espanha já investia em uma florescente indústria canavieira. No ano de 1176, há a primeira referência histórica à massara (prensa), utilizada para moer a cana. Uma outra técnica de produção, a roda vertical, surgiu na China do século XII.

Nos séculos seguintes, houve um reforço do comércio entre o Leste Europeu e a Europa Ocidental, inclusive com a importação de açúcar. Porém, os maiores países consumidores ainda buscavam uma alternativa, já que os preços do produto atingiam patamares quase inaceitáveis de comercialização.

Em 1319, um quilo de açúcar valia, aproximadamente, US$ 100. Isso manteve o status de artigo de luxo atribuído ao produto da cana e, mais tarde, motivou o aproveitamento de colónias conquistadas para a implantação de cultivares da cana-de-açúcar.

Os portugueses entram em cena – A busca por riquezas, entre elas as especiarias, levou europeus - principalmente os da Península Ibérica - a voltar os olhos para terras distantes não só do oriente. Após a conquista de Ceuta, importante entreposto comercial do norte da África, em 1415, o príncipe português D. Henrique decidiu descobrir que terras havia além das Ilhas Canárias. Assim começou a experiência colonial lusitana, com a ocupação das ilhas dos Açores, Madeira e Porto Santo, divididas em capitanias hereditárias, modelo administrativo posteriormente exportado para o Brasil.

Em 1425, D. Henrique mandou buscar na Sicília as primeiras mudas de cana, que plantou na Ilha da Madeira. Começou, assim, a formação dos primeiros canaviais do Atlântico, que chegaram às Canárias (1480), Cabo Verde (1490) e Açores.

No século XV, todo o açúcar produzido na Europa, mesmo em pequenas quantidades, era refinado em Veneza e isso anulava a possibilidade de diminuição de custos de transporte equivalente a produtos utilizados para a alimentação. Mesmo com os plantios recentes das metrópoles européias, o refino do açúcar ainda era um entrave.

No Novo Mundo A primeira inserção da cana no Novo Mundo deveu-se a Cristóvão Colombo, levada em sua segunda viagem marítima, em 1493, e plantada na República Dominicana, na ilha de La Española, nas proximidades do povoado de La Isabela, ao norte, e no Haiti. Daí, a gramínea expandiu-se para Cuba (1516) e México (1520). O primeiro engenho do continente foi instalado em La Española, em 1516.

Na era das Grandes Navegações, a cana chegou ao Brasil por ordem do rei D. Manuel, introduzida na Capitania de São Vicente pelo governador-geral Martim Afonso de Souza, em 1532, tornando-se a primeira atividade agrícola do País. A cana também se adaptou bem ao clima e ao solo de massapé nordestino, com a vantagem de contar com a produção mais próxima do mercado consumidor europeu.

Para os colonizadores portugueses, o problema era a mão-de-obra, questão resolvida com a escravidão de africanos e índios. Os negros começaram a chegar ao Brasil em 1512.

A lavoura da cana atingiu as três Américas. No norte, o primeiro moinho foi introduzido em 1535. Colômbia, Venezuela, Porto Rico e Peru também se transformaram em terras para o plantio nesta época.

O Brasil abastece a Europa Em 1600, as lavouras e indústrias da cana do Novo Mundo já haviam se tornado o investimento mais lucrativo do globo e o Brasil tornou-se o maior produtor de açúcar do mundo. Em 1613, o novo engenho de três cilindros foi implantado no Brasil, o que consolidou a posição de liderança como produtor e a liderança comercial da metrópole.

Com o domínio português, coube à Espanha encontrar outros lugares em que a cana pudesse se desenvolver. O local escolhido foi Cuba, que se transformou no único concorrente importante do açúcar brasileiro. Nessa época, os aumentos de produção ocorriam conforme a ampliação das terras para o plantio.

Os investimentos ingleses na cultura de cana deram frutos na Jamaica, onde, em 1635, foi criado o trem jamaicano que terá sido a solução mais eficaz para a época. Com esse sistema de fornalha, o aproveitamento de lenha era maior - apenas uma fogueira bastava para manter as três fornalhas. Concomitantemente, aproveitou-se o bagaço da cana-de-açúcar como combustível. Essas inovações tecnológicas difundiram-se primeiro nas Antilhas inglesas, a partir da década de oitenta do século XVII, e só depois atingiram as demais áreas açucareiras.

A invenção do trem jamaicano colocou mais um grande produtor no mercado: os ingleses. Com o aumento da produção e da demanda, a Grã-Bretanha começou a utilizar suas colónias de Jamaica e Barbados para diminuir sua dependência do produto importado e rivalizar com Portugal e Espanha no mercado de açúcar.

Diversificação e concorrência Enquanto isso, o número de subprodutos da cana se multiplicou e variedades cristalinas de açúcar, rum e melaço foram desenvolvidas. Cada parte do mundo passou a dispor de tipos de cana que se adaptassem às preferências de sua população. Diferentes níveis de pureza, cor e forma do grão de açúcar surgiram.

Nos Países Baixos, Amsterdam se destacava como maior centro de negócios do açúcar no século XVII, inclusive pelo número elevado de refinarias, que passava de mil. Como na época em que Veneza ditava os custos e as formas de refino, os holandeses possuíam a maior estrutura de refino do globo.

Em 1747, o químico alemão Andreas Marggraf descobriu, com base em experiências do francês Olivier de Serres, que era possível retirar açúcar da beterraba, mas o custo de produção excedia em muito o da cana. Cinqüenta anos mais tarde, Franz Carl Achard, um estudante das teorias de Marggraf, repetiu a experiência e fundou a primeira fábrica de açúcar de beterraba em Kunern, na Alemanha, em 1801.

Com a descoberta de novas plantas que dariam origem ao açúcar e com o empurrão do bloqueio continental estabelecido por Napoleão Bonaparte, em 1806, que obstruiu a importação dos Países Baixos, a Holanda perdeu sua posição de destaque no refino do açúcar no século XIX. A França passou a financiar fortemente o desenvolvimento de outras tecnologias para extracção do açúcar da beterraba a partir de 1812. Na França e na Alemanha, essa cultura se expandiu e, na metade do século XIX, já existiam variedades da beterraba desenvolvidas para o aumento da produção de açúcar.

Em paralelo, continuava o desenvolvimento da cultura da cana, que foi introduzida na Louisiana, em 1751; no Havai, em 1802; e na Austrália, em 1823. Também foram criadas outras técnicas de extracção, como o engenho a vapor, implantado em 1815, na Ilha de Itaparica; os cilindros de ferro, utilizados a partir de 1837; e a descoberta de mais uma função para a cana, ou melhor, para o seu bagaço, em 1838, na Martinica, a produção de papel.

Cresce a produção do Caribe – O aumento de colónias concorrentes no mercado produtor de açúcar e a maior disponibilidade de refinarias, inclusive na Grã-Bretanha, no século XVIII e além, fizeram com que o preço do açúcar caísse, transformando o produto em nutriente básico para a alimentação.

Porém, com as revoltas que levaram à independência de diversas colónias produtoras - com prejuízos para as plantações - e com o declínio da cultura da cana no Brasil, após a ascensão holandesa, sobretudo nas Antilhas, Cuba tomou a liderança na cultura da cana e, por estar mais próxima da Europa, transformou-se centro produtor privilegiado.

O modelo esclavagista foi sendo abolido no mundo todo no século XIX, o que forçou os produtores a investir em novas técnicas de produção, tecnologias e infra-estrutura. Quem manteve o modelo antigo, como o Brasil, acabou sendo suplantado por outras nações produtoras e não teve condições de competir.

No Brasil, a substituição da mão-de-obra escrava pela tecnologia trouxe ganhos de produtividade, com a adopção do processo de centrifugação e a transformação de engenhos em usinas.

Energia no tanque A concorrência acirrada no mercado mundial de açúcar e, mais grave, a insegurança em relação ao abastecimento mundial do petróleo, com duas crises graves nos anos 70, levaram o Brasil a investir na produção do álcool combustível, inicialmente com a adição de anidro na gasolina e, no começo dos anos 80, com a produção em larga escala de veículos movidos exclusivamente a álcool hidratado.

A preocupação com a mudança do clima no mundo, que ganhou ênfase depois da Cúpula da Terra, ou Rio-92, aumentou o interesse no álcool combustível em países como Índia, China, Austrália, Japão, Coréia do Sul etc. Nos Estados Unidos, o uso do álcool, principalmente de milho, vem ganhando espaço como aditivo da gasolina em substituição ao MTBE, derivado do petróleo, para evitar a contaminação das águas subterrâneas. O uso do álcool combustível manteve o Brasil na vanguarda da tecnologia da cana. Actualmente, o País é líder na produção e exportação de açúcar e álcool.

 


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